24/02/08

Morna: abordagem poética

Morna de despedida

Hora de bai,
Hora de dor,
Ja'n q'ré

Pa el ca manché!
De cada bêz
Qu 'n ta lembrá,
Ma'n q'ré
Ficâ 'n morrê!

Hora de bai,
Hora de dor,
Amor,
Deixa'n chorá!
Corpo catibo,
Bá bo que é escrabo!
Ó alma bibo,
Quem que al lebado?

Se bem é doce,
Bai é magoado;
Mas, se ca bado,
Ca ta birado!
Se no morrê
Na despedida,
Nhor Des na volta
Ta dano bida.

Dixam chorá
Destino de home:
Es dor
Que ca tem nome:
Dor de crecheu,´
Dor de sodade
De alguem
Que'n q´ré, que q'rem...

Dixam chorá
Destino de home,
Oh Dor
Que ca tem nome!
Sofri na vista
Se tem certeza,
Morrê na ausência,
Na bo tristeza!


Morna de despedida (Tradução: Manuel Ferreira)

Hora de partida,
Hora de dor
É meu desejo
Que ela não amanheça [não chegue a hora]
De cada vez
Que a lembro
Prefiro
Ficar e morrer.

Hora da partida
Hora de dor!
Amor.
Deixa-me chorar
Corpo cativo
Vai tu que és escravo
Oh alma viva
Quem te há-de levar?

Se a chegada é doce
A partida é amarga
Mas se não partir [mas quem não aprte]
Não se regressa [não regressa]
Se morrermos na despedida
Deus no regresso
Dar-nos-à a vida.

Deixa-me chorar
O destino do homem
Oh dor
Que não tem nome:
Dor de amor
Dor de saudade
De alguém
Que eu quero, que me quer...

Deixa-me chorar
O destino do homem
Oh dor
Que não tem nome!
Sofrer junto de ti
Sem ter uma certeza
Morrer na ausência
Com a tua tristeza.

Eugénio Tavares, Mornas - canções crioulas, 1932
Morna
É já saudade a vela, além.
Serena, a música esvoaça
na tarde calma, plúmbea, baça,
onde a tristeza se contém.
Os pares deslizam embrulhados
de sonhos em dobras infindáveis.
(Ó deuses lúbricos, ousáveis
erguer, então, na tarde morta
a eterna ronda de pecados
que ia bater de porta em porta!)
E ao ritmo túmido do canto
na solidão rubra da messe
deixo correr o sal e o pranto
- subtil e magoado encanto
que o rosto núbil me envelhece.
Daniel Filipe, A ilha e a solidão, 1957
A Morna
Canto que evoca
coisas distantes
que só existem
além
do pensamento,
e deixam vagos instantes
de nostalgia
num impreciso tormento
dentro
das almas...
Morna
desassogo,
voz
da nossa gente
reflexo subconsciente
em nós
das vagas ao longo das praias;
das aragens
que trazem um sorriso bom
às equipagens
dos barquinhos à vela
e flexibilidades graciosas
às folhagens
do milheiral,
musicando rapsódias em surdina
nos tectos das casas pobres...
Jorge Barbosa, Arquipélago, 1935
VII
E a morna
morna, bole,
mole,
já velha, sem ser antiga,
num compasso de cantiga
sexual.
: Reminiscência dum fado
que, dançado
num maxixe,
tem a tristeza postiça dum cansaço.
: Um semi-civilizado
lasso
balanço
embalado
sobre o ventre dum fetiche.
António Pedro, Diário, 1929
Partida (Morna di B. Leza)
Ora....Ora di baie
ora di sentimentu
Ora di bai e tristi
e ora di sentimentu..
Ami si pa N dixa Djar Fogu
Má N kre dixâ mundu interu
Ma N kre dixâ mundu ku dor
Sen paz, sen dizafogu.
Si tudu gentisa
beba nes mundu
Amá sufre amá senti,
Ka ta sintiba nes mundu
Es tristi palavra... parti!.
Ora.... Ora di bai
e ora di sentimentu
Ora di bai e tristi
e ora di sentimentu.
Partida e dor amá tristeza
Ken inventa’l ka tenba amor.
Partida e dor na nos petu
di ken ki nu dixa ku dorem.

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