18/02/08

Cabo Verde: Geografia

“Quem, viajando por mar ou por ar se aproxima do arquipélago de Cabo Verde defronta-se com uma sucessão de ilhas onde a marca exterior é uma aridez confinante com a mais viva agressividade. Montanhas agrestes emergem do Oceano num emaranhado de montes e vales, vales na generalidade secos e montes que por vezes apresentam pequena manchas verdes nos seus flancos lá onde os bancos de nuvens tocando o solo – humedecendo-o sem o molhar – facilitam o ciclo vegetativo de certas espécies mesmo que a chuva tão avara como desejada insista em primar pela ausência ou por uma desconcertante exiguidade.
Destas ilhas, três – Sal, Boavista e Maio – mais velhas reportando a sua emersão a tempos geológicos mais recuados, apresentam-se quase planificadas atestando de caminho a força niveladora dos agentes modeladores.
Uma – o Fogo – exibe-nos na beleza portentosa do seu aparelho vulcânico um dos mais majestosos espectáculos que a Natureza pode exibir – espectáculo de força e grandiosidade ante o qual o tão reclamado Vesúvio parece um fenómeno natural de 3ª plano.
Outras – S. Vicente, S. Nicolau, Santiago, Santa Luzia, Santo Antão –, ocupam a posição intermédia entre o jovem e brutal relevo de Fogo e as quase planas ilhas orientais oferecendo os mais chocantes contrastes.
Lá ao fundo para sul como que envergonhada da sua pequenez a ilha Brava parece aí colocada para contrastar com a brutalidade plutónica do Fogo.
Se esse viajante prossegue seu caminho sem se deter ficará sem se aperceber que por detrás daqueles montes escalvados há vales cuja verdura contrasta deliciosamente com a agrura vigorosa e amachucante da periferia.
Ele ficará ignorando que naquelas pequenas povoações que viu de longe (pequenas cidades de aspecto pobre, pequenas vilas ou aldeias em extrema decadência algumas, (outras tentando progredir), vive, labuta um povo que constitui uma das mais estranhas e curiosas experiências humanas de todos os tempos.
O homem havia de vir pelas caravelas portuguesas veiculadas pela energia do mesmo alisado de Nordeste servindo a maior epopeia de todos os tempos – o espantoso empreendimento dos descobrimentos portugueses.
Outros homens viriam mais tarde trazidos pelos primeiros. Mas estes vinham agora do continente negro e ao contraste das configurações oferecidas pelo meio físico juntava-se o contraste do aspecto físico dos homens oriundos de dois continente servidos por duas raças.
É então que começa a maior experiência “laboratorial” executada com matéria prima humana: brancos e negros vão fundir-se na mais positiva coexistência harmónica para dar lugar, séculos depois a um povo novo – o crioulo cabo-verdiano."

Maria Luísa Ferro Ribeiro (1961). A Ilha de Santiago.
Contribuição para o estudo de uma fenomenologia sócio-económica,
Tese de licenciatura em Geografia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

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